“Há uma cultura de aceitação do trabalho infantil”

Em entrevista à Repórter Brasil, a procuradora Sueli Bessa fala sobre a realidade do trabalho de crianças e adolescentes no estado do Rio de Janeiro e cobra políticas públicas que ataquem o problema

Por Maurício Thuswohl, para a Repórter Brasil
da série especial Promenino*

Rio de Janeiro – Na Pesquisa Nacional de Amostragem por Domicílios (PNAD) realizada em 2012, o Rio de Janeiro aparece apenas no 26º lugar do ranking dos estados com maior incidência de trabalho infantil ilegal no Brasil. O bom desempenho fluminense dentro do contexto nacional, no entanto, não ilude os órgãos do poder público que atuam no setor, pois a realidade muitas vezes surge camuflada nas pesquisas, uma vez que estas não têm como levar em conta, por exemplo, o trabalho doméstico ao qual são submetidos crianças e adolescentes ou mesmo algumas das piores formas de trabalho infantil, como a prostituição ou o tráfico de drogas.

Segundo a PNAD 2012, existem 98.763 crianças de 5 a 17 anos ocupadas com trabalho ilegal no Rio de Janeiro, mas esse contingente seguramente é muito maior. Um indicativo da real dimensão do problema é o número de procedimentos sobre trabalho infantil que estão atualmente ativos na Procuradoria Regional do Trabalho da 1ª Região. Até outubro de 2013, eram 637 procedimentos que versavam sobre o trabalho de crianças e adolescentes, sendo 140 deles acompanhados com Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) e 437 ainda com investigação em andamento. Além disso, existiam outras 33 ações propostas com essa temática.

Sueli Bessa, procuradora do Ministério Público do Trabalho no Rio de JaneiroConhecedora da situação do Rio de Janeiro, a procuradora Sueli Bessa, do Ministério Público do Trabalho (MPT) e titular da Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho de Crianças e Adolescentes na 1ª Região, fala, em entrevista à Repórter Brasil, sobre a realidade do trabalho infantil no estado. Primeira gerente nacional do projeto federal Políticas Públicas de Combate ao Trabalho Infantil, a procuradora analisa também a situação nacional e faz um balanço do cumprimento das metas de erradicação desse mal assumidas internacionalmente pelo governo brasileiro.

Em quais municípios do Rio de Janeiro o trabalho infantil acontece com mais frequência?

Nos municípios da Baixada Fluminense, como Belford Roxo, Duque de Caxias e Nova Iguaçu. Há também São Gonçalo, na região metropolitana. O próprio município do Rio de Janeiro tem um número expressivo de crianças e adolescentes em situação de trabalho ilegal, mas nesse caso temos de considerar o tamanho da população. No interior do estado, nós temos os municípios de Campos dos Goytacazes, Itaperuna e São João da Barra, que aparecem como os mais expressivos.

Em quais setores da economia fluminense o trabalho infantil é observado e com que incidência?

Em todas as áreas há trabalho infantil, não é privilégio de uma ou de outra. É bem pulverizado entre os setores. A gente recebe denúncias tanto do comércio quanto da indústria. Tem muito trabalho infantil na área rural, tem também na informalidade. A questão no Rio de Janeiro não é diferente do restante do país. É uma questão que, infelizmente, ainda está espraiada nos diversos setores. A incidência do trabalho infantil rural é maior no interior do estado, onde há, por exemplo, maior produção pecuária e agrícola. Há também a questão do trabalho infantil doméstico, que até hoje a gente não consegue quantificar porque acontece no interior dos lares e não há possibilidade de fiscalização por parte do poder público. Então, a gente tem de trabalhar muito com conscientização para que isso venha à tona. Não temos os dados concretos sobre trabalho infantil doméstico. E há ainda as piores formas, que são o tráfico de drogas e a exploração sexual para fins comerciais.

Quais as peculiaridades observadas no trabalho infantil em área rural? E em área urbana?

A informalidade em área urbana, geralmente, se dá sem qualquer empregador. São aquelas crianças nos sinais de trânsito e até no próprio tráfico de drogas. Na área rural, a gente tem um agravante, pois às vezes é a própria agricultura de subsistência que coloca essa criança ou esse adolescente lá para trabalhar no campo. Muitas vezes, é para contribuir com a renda da própria família. Uma peculiaridade da área rural brasileira, e isso se repete no Rio de Janeiro, é que o trabalho infantil acontece dentro da própria agricultura familiar, às vezes até mesmo na pecuária, com a criança acordando cedo para mexer com o gado etc. Muitas vezes, a própria família faz uso do trabalho infantil.

Existe algum tipo de acompanhamento feito às crianças que trabalham como catadores nos lixões em diversos pontos do Rio de Janeiro?

Temos atuado para que o poder público impeça o acesso de crianças e adolescentes a esses locais para catar lixo. É outro caso em que, na maioria das vezes, elas chegam trazidas por seus próprios familiares. Notadamente, agora que existe uma política nacional para a destinação de resíduos sólidos, esse problema tem sido atacado para que se retirem as crianças dessa condição, que também pode ser considerada uma das piores formas de trabalho infantil.

A cena é do Rio Grande do Norte, mas crianças trabalhando em lixões é uma realidade no país. (Foto: João Roberto Ripper)

A cena é do Rio Grande do Norte, mas crianças trabalhando em lixões é uma realidade no país. (Foto: João Roberto Ripper)

Quais as principais razões identificadas pelo MPT para a existência do trabalho infantil no Rio de Janeiro? Quais fatores contribuem para sua recorrência?

Os fatores que contribuem não são isolados também. Há uma gama de questões que a gente poderia citar. Por exemplo: há uma cultura de aceitação do trabalho infantil. Quem atua com essa temática logo verifica isso. Se for discutir o tema com a sociedade, você ouve recorrentemente se falar que ‘é melhor estar trabalhando do que na rua’. Então, se vê que há uma permissividade da sociedade em achar que aquilo é normal. Mas, veja bem, achar que é normal para o filho daquele que não tem condição social boa, porque todo mundo quer que o filho das classes média ou alta esteja se educando, não é isso? Outro ponto são os inúmeros problemas sociais que o nosso país tem. É óbvio que se a família não consegue gerar renda por si só, isso vai contribuir para trazer a criança e o adolescente para o trabalho. Há uma distorção de valores, e às vezes se impõe à criança e ao adolescente o papel que seria do adulto, que é o de dar sustentação e dar condições de subsistência ao seio familiar.

Eu aponto também a insuficiência de políticas do poder público – ou mesmo ausência em alguns lugares – definidas para buscar a erradicação do trabalho infantil. Embora isso tenha melhorado um pouco, ainda se trata da questão de termos a criança fora da educação, fora da escola. E não basta simplesmente criar escola, mas ter uma política de manutenção dessa criança e desse adolescente na escola para que não ocorra a evasão. Será que a escola hoje está cumprindo esse papel? Essa é uma questão que precisa ser discutida. Na minha modesta opinião, construída ao longo de dez anos de atuação dentro do Ministério Público, o que vejo é isso.

Diante do quadro atual, quais políticas públicas são necessárias para solucionar o problema do trabalho infantil no Rio de Janeiro?

São necessárias políticas de geração de renda para a família. Não simplesmente uma política pública de assistencialismo, mas de qualificação dos pais, de qualificação adequada ao mercado de trabalho daquele lugar em que eles residem. É preciso oferecer aos pais um curso que possibilite obter um posto de trabalho naquela localidade. Então, tem de ser uma política de geração de renda adequada para cada município. Outro ponto seria a adoção de escolas de educação integral. Algumas poucas escolas começam a caminhar nessa trilha, mas ainda não há uma política generalizada de educação integral. Que o poder público adote políticas de profissionalização para o adolescente pela via regular através da qual ele poderia ingressar no mercado de trabalho a partir dos 14 anos, que é por meio da aprendizagem. Com a aprendizagem, ele vai gerar renda para a família, e você vai incluir o adolescente dentro de um trabalho regular e tendo acesso a todos os direitos garantidos, porque é um contrato de trabalho especial. Teremos o ganho de ele ser futuramente um cidadão qualificado e a empresa tem o ganho de contar com um trabalhador qualificado.

Quando falamos da aprendizagem, não falamos de um instituto qualquer, falamos de um instituto multifacetário que vai contribuir realmente para a erradicação do trabalho infantil. É preciso também que os municípios instituam programas sociais que realmente retirem essa criança e esse adolescente dessa situação. O que a gente verifica com nossa experiência é que são raros aqueles municípios que fazem um diagnóstico do trabalho infantil. O poder público tem de assumir esse compromisso de verificar se existe realmente trabalho infantil e identificar os casos para, depois, fazer a inclusão desses adolescentes em programas sociais para retirá-los dessa condição.

E o que mais?

Poderíamos citar algumas outras políticas públicas: entre outras, acolhimento às vítimas de exploração sexual e atendimento ao adolescente que caiu no problema da drogadição, que é um problema epidêmico em nosso país hoje. Não existe uma política para tentar retirar esse adolescente e buscar um outro caminho, um tratamento sério. Tem tanta coisa que poderia ser feita, e a gente vê que o poder público ou se omite ou às vezes não implementa políticas suficientes que possam tratar o problema de uma forma globalizada, articulada e inter-setorial. Além da identificação e da inclusão, o próprio poder público pode implementar programas de profissionalização ou então articular para que os programas aconteçam naquela localidade. Às vezes, em um município tal, tem muitas empresas e nenhum curso de aprendizagem. Então, o poder público, cumprindo seu dever de cuidar da profissionalização, pode articular com instituições que façam a aprendizagem para que esta aconteça naquela localidade, para dar oportunidade para aqueles adolescentes serem incluídos no mercado de trabalho de forma regular. É muita coisa que se pode fazer, mas que não se faz ou que se faz de forma incipiente e que não atende à demanda daquela localidade. Outra política que compete ao poder público é estruturar os órgãos de atendimento à criança e ao adolescente de forma adequada, como o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Crea), o Centro de Referência de Assistência Social (Cras) e o Conselho Tutelar. Hoje, nós temos locais que atuam ainda de forma muito precária. É preciso atuar na capacitação desses conselhos porque são eles que estão na linha de frente.

Nos grandes centros, como Brasília, é comum ver crianças trabalhando como vendedores de balas nos faróis (Foto: Renato Araújo/ABr)

Nos grandes centros, como Brasília, é comum ver crianças trabalhando como vendedores de balas nos faróis (Foto: Renato Araújo/ABr)

A parceria do MPT com ministérios e outros órgãos do Poder Executivo funciona no Rio de Janeiro? Apenas o trabalho cotidiano de fiscalização realizado pelo MPT ou por auditores do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) é suficiente para erradicar o trabalho infantil?

Não se combate nem erradica o trabalho infantil com uma instituição de forma isolada. Esse trabalho envolve uma articulação não só com o Ministério do Trabalho e Emprego, que é quem tem a função de fiscalizar, mas também com outros órgãos e instituições que têm de primar por essa erradicação. No estado do Rio de Janeiro, por exemplo, temos buscado uma articulação com o Ministério Público Estadual (MPE), que tem um trabalho muito importante nisso, com o MTE, com os conselhos tutelares, com os conselhos municipais de direitos das crianças e adolescentes, com a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal porque, principalmente na questão da exploração sexual para fins comerciais, é fundamental que ocorra essa articulação que, aliás, está ocorrendo neste momento em busca de uma forma de atuação conjunta. A fiscalização em si e o MPT sozinho não são suficientes para contribuir para a erradicação do trabalho infantil. Nós teríamos de fazer um trabalho de articulação, inclusive nos fóruns estaduais, discutindo essa temática com a sociedade. Nós, que acabamos de participar da III Conferência Global sobre Trabalho Infantil, sabemos que não há outro caminho que não seja a articulação e a atuação inter-setorial. Temos de trabalhar com a educação, com a saúde. Nós do Ministério Púbico temos buscado também, por exemplo, uma aproximação com o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS).

Fale um pouco, por favor, sobre os resultados do projeto “Políticas Públicas de Combate ao Trabalho Infantil” no Rio de Janeiro.

Na verdade, nós temos três projetos relativos à infância que estarão sendo implementados no estado, em princípio até 2015. Temos esse que você citou, de implementação de políticas públicas. Esse projeto é voltado ao poder público, a gente atua em face dos municípios para que eles façam acontecer as políticas públicas. Este ano, aqui mesmo na Procuradoria Regional do Trabalho de Campos dos Goytacazes, onde atuo, instauramos procedimentos nos municípios que apresentam os maiores índices de trabalho infantil, que são Campos, Itaperuna e São João da Barra. A ideia é que em 2014 no Rio de Janeiro, assim como nos outros estados, a gente busque crescer o projeto para pelo menos dois municípios em cada unidade do MPT no país. Temos também o projeto MPT na Escola, pelo qual a gente busca discutir o tema do trabalho infantil com alunos das séries do ensino fundamental em todas as escolas municipais. Isso é fundamental para que se possa levar essa discussão para a sociedade. Chegando à escola, vai chegar às famílias, é isso o que a gente quer. A greve dos professores impediu que implementássemos o MPT na Escola de uma forma generalizada no município Rio de Janeiro, mas a Secretaria Municipal de Educação ficou de nos dar um retorno para ver se implementa o projeto no início do ano que vem. Não nos deu ainda a palavra final, mas não tem por que não implementar.

E tem ainda o Projeto de Aprendizagem, pelo qual a gente busca a inclusão dos adolescentes no mercado de trabalho por meio da aprendizagem, pois a gente pode cobrar o cumprimento da cota de aprendizagem. A gente cobra isso, fazendo que o poder público municipal implemente a aprendizagem no município e também articulando para que as empresas daquela localidade tenham condições de cumprir a cota. Nós estamos buscando a implementação cada vez mais incisiva dos projetos aqui no estado. Estamos com um trabalho muito interessante de articulação com a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal e o MPE. Nós já realizamos dois encontros e conseguimos pontuar os focos de exploração sexual. Vamos pensar em algumas estratégias conjuntas agora, já para esse ano e principalmente antes desse grande evento que será a Copa do Mundo, para poder atuar. Será um projeto interinstitucional: quatro instituições no mínimo participarão dessas ações. Além disso, o MPE está organizando um material voltado à capacitação da Polícia Militar e da Guarda Municipal do Rio de Janeiro nesse tema da exploração sexual. Esses setores, que também atuam lá na ponta, precisam saber para onde direcionar os casos quando acontecem. Haverá não só um material destinado a esse público, como uma capacitação feita pelo MPT e pelo MPE. O MPT elaborou um material voltado ao Conselho Tutelar para poder capacitar os conselheiros, porque essa capacitação tem de ser permanente. Esse material aborda todas as temáticas relativas ao trabalho infantil.

A realidade do trabalho infantil hoje no Rio de Janeiro e no Brasil pode ser finalmente medida em números?

A gente percebe que no início, em 2009 ou 2010, quando o Brasil começou a assumir o compromisso de erradicar o trabalho infantil, esses números caíam de uma forma mais célere. O que a gente observa de 2011 para cá é que essa redução vem sendo feita de forma mais lenta. Em 2011, eram no Brasil todo 3.673.898 crianças de 5 a 17 anos em situação de trabalho irregular. Em 2012, esse número passa para 3.517.540. Caiu o número? Caiu, mas a redução tem sido mais lenta. A gente vai ter de ver o que vai fazer para tentar dar uma acelerada nisso, porque o compromisso do Brasil é que até 2016 estejam erradicadas as piores formas de trabalho infantil. A gente vai ter de continuar discutindo de forma articulada para ver o que se pode fazer para que essa redução ocorra de uma forma mais significativa. Acho que até 2016 vai ficar difícil pra gente cumprir esse compromisso, mas vamos fazer tudo o que for possível para poder pelo menos minimizar isso. A PNAD 2012 aponta o Rio de Janeiro no 26º lugar do ranking. Em 2011, era o 24º colocado. Quer dizer: se você olhar pelos dados da PNAD, melhorou um pouco. Mas a gente não pode esquecer que isso é uma pesquisa por amostragem. No Estado do Rio de Janeiro, de acordo com a PNAD 2012, existem 98.763 crianças de 5 a 17 anos ocupadas com trabalho. É um número expressivo, mas nele não está incluído o trabalho infantil doméstico, que a gente não pode computar. E o quantitativo de vítimas de exploração sexual para fins comerciais, que a gente também não tem como computar? E os que atuam como os ditos ‘aviõezinhos’ no comércio de drogas? Esses números são interessantes para algum parâmetro, mas, em nossa opinião, eles não expressam a realidade porque existem questões que ainda não temos como quantificar. A realidade não pode ser medida por números. Nós os tomamos apenas como indicadores, mas, por isso tudo que citei, não temos como quantificar de fato quantas crianças estão em situação de trabalho.

* Matéria produzida em parceria com Promenino/Fundação Telefônica Vivo, e publicada também no site Promenino, que reúne mais informações sobre combate ao trabalho infantil

rodapé

Operação flagra trabalho infantil em plantações no interior de São Paulo

Fiscalização encontrou 21 meninos e meninas trabalhando na colheita de vegetais em seis municípios paulistas. A maior dificuldade, no entanto, é superar aceitação cultural do problema

Por Stefano Wrobleski, da Repórter Brasil
da série especial Promenino*

Uma fiscalização conjunta do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e do Ministério Público do Trabalho (MPT) localizou 21 crianças e adolescentes vítimas de trabalho infantil em pequenas propriedades de seis municípios do interior de São Paulo. Seis tinham entre seis e doze anos. Elas colhiam beterrabas de chinelos ou descalços, sem qualquer proteção. Alguns exibiam ferimentos nas mãos.

Entre as vítimas, seis crianças com menos de 12 anos trabalhavam na colheita de beterraba (Fotos: MPT-15)

Entre as vítimas, seis crianças com menos de 12 anos trabalhavam na colheita de beterraba (Fotos: MPT-15)

Os municípios de Itobi, Casa Branca, São José do Rio Pardo, Santa Cruz das Palmeiras, Vargem Grande do Sul e Mococa ficam a cerca de 250 quilômetros da capital paulista. A região tem 223 mil habitantes e aproximadamente 10 mil trabalhadores no meio rural, divididos entre 1,2 mil produtores. Eles se distribuem principalmente nas colheitas de batata, cebola, beterraba e laranja.

A diligência, que aconteceu entre 9 e 14 de setembro, faz parte de uma operação maior dos dois órgãos, que visa reduzir a incidência de trabalho infantil e irregularidades trabalhistas na região. Em agosto, uma audiência reuniu cem produtores rurais na Câmara Municipal de Itobi com o objetivo de conscientizá-los sobre a proibição do trabalho de crianças e adolescentes em plantações, que ainda é comum na região.

Trabalhador com os pés descalços: falta de proteção é recorrente

Trabalhador com os pés descalços: falta de equipamento de proteção é recorrente

Entre os desafios para o combate ao emprego de meninos e meninas nas lavouras está a aceitação cultural; a prática atravessa gerações. Por envolver condições insalubres e manuseio de ferramentas perigosas, o trabalho rural infantil nas condições encontradas neste caso pode ser enquadrado, segundo o MPT, entre as piores formas de trabalho infantil, definidas em decreto de 2008, que regulamentou a Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Quem tem menos de 18 anos não pode trabalhar nestas atividades nem como aprendiz.

Além das crianças e adolescentes, a fiscalização encontrou cerca de mil pessoas atuando em 25 fazendas sem registro em carteira ou equipamento de proteção individual. Elas não tinham acesso a banheiro e os alojamentos de 19 dos trabalhadores, que não eram da região, estavam em condições ruins.

O número teria sido ainda maior, se não fossem as dificuldades para a fiscalização: “Quando viram que estávamos chegando a uma das fazendas, colocaram um carro para barrar nossa entrada. Então, nós tivemos que pular a cerca e sair correndo atrás dos três ônibus onde estavam alguns trabalhadores. Eu mesmo tive que correr por 300 metros para pegar um deles”, contou o auditor fiscal do trabalho Antônio Valério Morillas Júnior, que acompanhou a operação. Outro problema apontado por Antônio é a falta de funcionários do MTE, que deixa o órgão em uma “situação extremamente precária”. Para fiscalizar as 25 fazendas, eles puderam contar com apenas sete auditores fiscais.

Entidades organizaram audiência com produtores da região para conscientização

Entidades organizaram audiência com produtores da região para conscientização

Para erradicar o trabalho infantil e sanar as questões trabalhistas as entidades têm orientado os produtores a criar cooperativas rurais para, por exemplo, baratear os custos com a compra de equipamentos de proteção individual: “Como as colheitas são de cultura rápida, mas devem ser feitas em momentos diferentes, os produtores podem compartilhar os equipamentos quando estes estiverem ociosos”, explica o auditor. Apesar do trabalho educacional, as fiscalizações devem continuar e a equipe já disse que vai voltar às fazendas no início do próximo ano, quando novas colheitas serão feitas.

 

* Matéria produzida em parceria com Promenino/Fundação Telefônica Vivo, e publicada também no site Promenino, que reúne mais informações sobre combate ao trabalho infantil

rodapé