Monthly Archives: December 2012
Governo planeja ações com base em dados e tenta aprimorar combate à exploração incentivando envolvimento da sociedade civil em fóruns e conselhos
Por Denise Galvani, da Repórter Brasil
Fiscalizar o emprego irregular de crianças e jovens é responsabilidade do Ministério do Trabalho e do Emprego (MTE). Em 2007, os fiscais do trabalho encontravam, em média, seis crianças a cada incursão em firmas ou logradouros públicos. Agora, a média é de 0,8 – ou seja, em parte das ações de controle, não se encontra irregularidade.
“É natural que nosso trabalho vá ficando mais difícil à medida em que chegamos mais perto da erradicação”, diz Luiz Henrique Ramos Lopes, coordenador do combate ao Trabalho Infantil do MTE. “Nós precisamos mudar a maneira de fiscalizar, fazer um trabalho de inteligência, estudar os dados do IBGE e planejar as ações”.
Em suma: hoje há menos trabalho infantil que há dez ou vinte anos, mas ele ainda existe e está mais difícil de ser combatido. Em resposta a isso, o número de ações fiscais exclusivamente para buscar focos de crianças trabalho aumentou: entre 2007 e 2011, a média era de 2.700 ações fiscais por ano, em todo o Brasil; em 2012, apenas de janeiro a outubro, foram 6.499 ações, que afastaram do trabalho um total de 5.263 crianças.
Os desafios variam muito de região para região. “No Sul há muito trabalho de crianças na agricultura familiar, então é preciso reforçar a conscientização, o aspecto cultural. No Nordeste ainda se encontra bastante o trabalho infantil associado à pobreza da família, então é preciso encaminhar para os programas de transferência de renda”, explica Luiz.
A articulação eficiente com diferentes órgãos de assistência social é considerada prioridade para dar mais efetividade ao trabalho de fiscalização. Está em fase final, segundo Luiz, um sistema eletrônico de notificação de agravos que vai permitir a profissionais das áreas da saúde, educação ou Direitos Humanos comunicar a ocorrência de casos de Trabalho Infantil. “Também orientamos os nossos coordenadores a participar ativamente dos foruns estaduais, para ajudar a fortalecer a rede de proteção local. Alguns, como o de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul, são muito articulados, e o trabalho realmente avança”, diz Luiz. Mas, de maneira geral, a articulação depende muito de órgãos de governos e prefeituras, e não se vê o mesmo grau de comprometimento em todas as cidades.
Prioridades
O planejamento das ações fiscais é descentralizado, para atender às particulariades regionais, mas algumas diretrizes partem do Ministério do Trabalho, em Brasília, para orientar o combate ao trabalho infantil.
Nos últimos dois anos, o pricipal esforço tem sido para erradicar as chamadas piores formas de trabalho infantil, definida por um decreto de 2008, que regulamentou a Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho, sobre trabalho infantil, do qual o Brasil é parte. “Este ano, foram mais de 1.000 ações em lava-jatos, principalmente em junho, onde se sabe que a mão de obra infantil e juvenil é muito empregada”, diz Lopes. Em 2013, os fiscais devem voltar aos estabelecimentos fiscalizados, para controlar a reincidência do problema.
Em 2012, também receberam atenção de vários estados irregularridades do trabalho de crianças e jovens em clubes de futebol, casos pontuais de trabalho artístico e o trabalho infantil urbano, na maior parte das vezes, no comércio de rua.
“Nós priorizamos também o setor formal, que é onde há relação de emprego, porque essa é a competência natural do Ministério do Trabalho”, diz Luiz. Assim, em 2012, uma das frentes de trabalho buscou fiscalizar as condições de trabalho em empresas que declaravam empregar funcionários com menos de 18 anos na Relação Anual de Informações Sociais.
Luiz destaca também a regularização dos trabalhos de adolescentes maiores de 14 anos, que é permitido pela lei, em condições de aprendizagem (menores de 16 anos) ou protegidas (16 e 17 anos). “A fiscalização tem feito um trabalho excelente no setor de aprendizagem, ao orientar as empresas a adequar as funções e estabelecer parcerias com instituições de ensino. Este ano já foi regularizado o traballho de 120 mil aprendizes, mais que o dobro de todo o ano passado”, destaca.
Todas as reportagens do especial Meia Infância:
Os limites do trabalho artístico infantil
Autorizações de trabalho infantil causam polêmica
A naturalização do trabalho infantil
Exploração sexual de adolescentes indígenas
Trabalho infantil e vulnerabilidade
Crianças produziam carvão com restos em lixão
Galeria de fotos de flagrantes da exploração
Infográfico trabalho infantil no Brasil
A dura realidade do trabalho infantil doméstico
Infografia: Crianças trabalhando
Um perfil do trabalho infantil
Esta reportagem foi produzida pela Repórter Brasil e faz parte da série de especiais Meia Infância, parte integrante da campanha É da nossa conta! Trabalho infantil e Adolescente
Crianças e adolescentes carregadores, empacotadores e vendedores passam despercebidos em meio aos adultos que compram e vendem nas feiras livres
Por Denise Galvani, da Repórter Brasil
A feira livre leva o nome de Cidade da Esperança, o mesmo do bairro na zona oeste de Natal, mas muitas crianças da vizinhança sofrem com a falta de perspectivas. Um ano depois de afastar do trabalho 42 crianças que passavam os domingos carregando encomendas para os clientes da feira, fiscais do Ministéiro do Trabalho no Estado (MTE) encontraram, em outubro, outras 39 fazendo o mesmo serviço.
“São crianças de 8 a 15 anos, muitas visivelmente em situação de abandono, com bicho de pé, problemas dentários, vê-se que não têm assistência nenhuma. A família muitas vezes aluga ou compra o carrinho para os meninos poderem trabalhar”, conta a auditora fiscal Marinalva Cardoso Dantas.
Depois da ação em 2011, as crianças que trabalhavam na feira foram encaminhadas para a rede de proteção social local. Muitas famílias passaram então a receber o Bolsa Família, que exige um nível de 85% de frequência escolar das crianças do domicílio, uma forma de mantê-las longe do trabalho. Na ação deste ano, duas das 49 crianças encontradas pelos fiscais em 2011 continuavam na feira de Cidade da Esperança; as demais começaram de um ano para cá.
A situação particular de um menino chamou a atenção de Marinalva. Com os pés machucados e infectados, ele circulava, arrastando sandálias grandes demais, em busca de clientes. Esperava desde as 6h para levar as compras de alguém. “Eram 9h e ele ainda não tinha ganhado nada, precisamos pagar fretes para ele poder comer”, lembra. “Ele só sabia o primeiro nome, estava completamente alheio a tudo”.
Enquanto lavravam os autos de infração, responsabilizando a prefeitura de Natal pela situação das crianças na feira, os fiscais foram abordados por feirantes de Cidade da Esperança. É uma situação frequente nos trabalhos de fiscalização feito pelo MTE, mas a atitude na segunda visita, segundo Marinalva, foi de especial agressividade. “Diziam que estávamos nos metendo numa coisa que era certa, que era bom criança trabalhar pra não virar marginal… Na verdade essa situação é muito confortável para eles, que gostam de ter os meninos carregadores por perto, para atrair e convencer o cliente a levar mais”.
Crianças vítimas de trabalho infantil estão mais sujeitas a ter problemas com aproveitamento escolar, saúde e socialização do que as demais.
Crianças pelas feiras do Brasil
É recorrente o emprego de crianças e jovens, por uns poucos trocados, em feiras livres de grandes centros urbanos. Ação em junho deste ano afastou 32 crianças e adolescentres entre 6 e 17 anos de atividades de venda, carregamento de mercadorias e lavagem de veículos no Ceasa do Recife. Em audiência com o Ministério Público Estadual, o Ceasa informo que menores de 18 anos não entram no complexo desacompanhados de um responsável, e se comprometeu a aprimorar a ficalização do problema.
No Recife, o problema de crianças trabalhando no comércio informal extrapola as feiras e chega também a outro ambiente, onde a situação é tão comum que quase não chama atenção: a praia. De janeiro a setembro de 2012, só na Praia de Boa Viagem, a fiscalização identificou 73 crianças e jovens, entre 7 e 17 anos, que trabalhavam como ambulantes. Paula Neves, aditora fiscal do Estado, conta da dificuldade em se fiscalizar. “A gente sabe que alguém fornece material para as crianças venderem – picolé, bronzeador – , mas não consegue identificar essa pessoa para lavrar o auto de infração”, conta.
Também em Pernambuco, a feira de Caruaru é famosa, considerada por alguns a maior do mundo. No mesmo mês, ação dos fiscais localizou, em menos de duas horas, 64 crianças e adolescentes entre 8 e 17 anos realizando venda e carregamento de mercadorias. O restante do dia foi dedicado a organizar os dados e a situação de cada criança, encaminhados ao Conselho Tutelar e à Prefeitura.
Voltar regularmente aos grandes focos de trabalho infantil é considerado essencial para acabar efetivamente com o problema. Esse trabalho, no entanto, é prejudicado pelo número ainda reduzido de fiscais.
A Superintendência Regional do Rio Grande do Sul obteve sucesso com uma ação dirigida na cidade de Esteio, que organiza anualmente a feira de agronegócio Expointer. Segundo informações da Secretaria, desde 2006, uma força-tarefa formada pelo MTE, o Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Conselho Tutelar de Esteio fiscaliza situações de trabalho de crianças e jovens e orientam as famílias. Nos primeiros anos, eram mais de 200 crianças trabalhando no centro de exposições. Na edição de 2012, que aconteceu entre agosto e setembro, foram três casos.
Esta reportagem foi produzida pela Repórter Brasil e faz parte da série de especiais Meia Infância, parte integrante da campanha É da nossa conta! Trabalho infantil e Adolescente